terça-feira, 29 de agosto de 2017

Do Plano Especial de Recuperação Judicial para Microempresas e Empresas de Pequeno Porte




A Lei Complementar nº 123/01 estruturou toda uma cadeia de benefícios e tratamento diferenciado para pequenas empresas em âmbito financeiro, fiscal, burocrático e de acesso aos mercados públicos. No entanto, o tratamento diferenciado a essas empresas não se restringe ao texto desta lei complementar. Há normas que tratam do assunto espalhadas por todo o sistema jurídico pátrio.

Aqui, pretendemos dar enfoque ao tratamento diferenciado conferido a essas empresas na Lei nº 11.101/05 que regula a recuperação judicial, extrajudicial e falência da sociedade empresária.

Nessa lei, a diferenciação concedida às empresas que se enquadram nos moldes da LC 123/01, tem maior relevo especificamente no procedimento da recuperação judicial.

Pois bem, em parcas linhas, podemos definir que a recuperação judicial tem por objetivo a manutenção da empresa em crise no mercado, por meio de plano de ações apresentado em juízo, no qual se enumeram os credores da empresa e a forma em que serão saldadas as dívidas.

Pode-se dizer que há a recuperação judicial com plano ordinário de recuperação e a recuperação judicial com plano especial, do qual podem optar as empresas abrangidas pelo regime jurídico das microempresas e empresas de pequeno porte.


A microempresa ou empresa de pequeno porte que optar pelo plano especial, o que será feito de forma expressa na petição inicial, deverá se submeter aos regramentos específicos previstos entre os arts. 70 e 72 da Lei nº 11.101/05. Claro é, no entanto, que naquilo em que for omisso, será aplicável o mesmo procedimento adotado ordinariamente nas demais recuperações judiciais (que não serão objeto de análise aqui).

Feita essa observação, impende destacar que poderão requerer a recuperação judicial – tanto no plano especial quanto no ordinário – as empresas que atendam aos requisitos do art. 48, quais sejam:

- estar exercendo atividade regularmente há pelo menos 2 anos;
- não ser falido e, se foi, ter responsabilidades declaradas extintas por sentença transitada em julgado;
- não ter obtido concessão de recuperação judicial, pelo plano ordinário ou especial, há menos de 5 anos;
- não ter sido condenado ou ter como administrador ou sócio controlador pessoa condenada por quaisquer dos crimes previsto nessa lei.

Atendidos esses requisitos, a empresa optante pelo plano especial elaborará a petição inicial conforme o disposto no art. 51 e incisos da lei, sendo instruída com o relato sobre a situação patrimonial e as razões da crise econômica (I); demonstrações contábeis (II); relação de credores e empregados (III, IV); certidões e documentos constitutivos da empresa (V, VIII); relação dos bens particulares dos sócios e administradores da empresa (VI); comprovantes de contas bancárias e outros investimentos (VII) e; relação de ações judiciais em que figure como parte (IX).

Especificamente acerca das demonstrações contábeis, a sistemática normativa autoriza aos pequenos empreendedores a possuírem contabilidade simplificada[1], o que é contemplado de forma expressa no § 2º do art. 51:

§ 2º Com relação à exigência prevista no inciso II do caput deste artigo, as microempresas e empresas de pequeno porte poderão apresentar livros e escrituração contábil simplificados nos termos da legislação específica.

Estando a documentação adequada o juiz deferirá o processamento da recuperação e, nos moldes do art. 52, no mesmo ato nomeará administrador judicial (I); determinará dispensa da apresentação de certidões negativas para que a empresa exerça suas atividades, exceto quando contratar com o Poder Público (II); determinará ao devedor a apresentação de contas demonstrativas mensais enquanto perdurar a recuperação judicial (IV); ordenará a intimação do Ministério Público e a comunicação por carta às Fazendas Públicas Federal e de todos os Estados e Municípios em que o devedor tiver estabelecimento (V).

Quanto ao inciso III, necessário fazer ressalva, visto que o juiz, no caso da adoção do plano especial não poderá, de pronto, ordenar a suspensão de todas ações ou execuções contra o devedor (nomenclatura legal destinada à empresa recuperanda). Isso porque, o parágrafo único do art. 71 determina que a suspensão se dará somente em relação às ações e execuções por créditos abrangidos pelo plano. Logo, o juiz, estando apenas em posse da petição inicial tem impossibilidade fática de praticar tal ato. Será necessário aguardar a apresentação do plano, para após ordenar a suspensão das execuções e demais ações.

Pois bem, deferida a recuperação, o plano especial deverá ser apresentado no prazo de 60 dias contados da publicação da decisão pelo deferimento limitando-se às seguintes condições:

- O plano abrangerá todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos, excetuados os decorrentes de repasse de recursos oficiais, os fiscais e os previstos nos §§ 3º e 4º do art. 49. Sobre esse ponto, bem sumariza a autora Camila Barboza Yamada:

Tanto no caso da recuperação baseada em plano comum quanto em plano especial, não podem ser objeto do plano, por força do disposto no artigo 49, parágrafos 3º e 4º, os créditos decorrentes de alienação fiduciária em garantia, leasing, promessa de compra e venda de imóvel com cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, contrato de venda com reserva de domínio e contrato de adiantamento de câmbio para exportação.[2]

- O plano preverá parcelamento em até 36 (trinta e seis) parcelas mensais, iguais e sucessivas, acrescidas de juros equivalentes à taxa Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - SELIC, podendo conter ainda a proposta de abatimento do valor das dívidas;
- Preverá o pagamento da 1ª (primeira) parcela no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, contado da distribuição do pedido de recuperação judicial;
- Estabelecerá a necessidade de autorização do juiz, após ouvido o administrador judicial e o Comitê de Credores, para o devedor aumentar despesas ou contratar empregados.

Devidamente apresentado o plano especial, segundo o art. 72, não será convocada assembléia-geral de credores para deliberar sobre o plano. O juiz deferirá a recuperação se atendidos os requisitos legais.

Todavia, em que pese não haver necessidade de aprovação do plano por assembleia, caso credores titulares de mais da metade de qualquer uma das classes de créditos previstos no art. 41[3]-[4], utilizando-se da prerrogativa prevista no art. 55[5], se oponham ao plano, deverá o juiz julgar improcedente o pedido de recuperação judicial, na forma do parágrafo único do art. 72.

Após isso, como regra, a recuperação judicial com base em plano especial não terá procedimento diferente daquela baseada em plano ordinário.

Mas afinal de contas, a adoção do plano especial é um bom negócio? Para responder a tal pergunta necessário fazer uma análise comparativa entre o procedimento de recuperação em cada plano.

É o que será feito no próximo texto. (Leia aqui a continuação)



[1] Assim dispõe o art. 27 da LC 123/06:
Art. 27.  As microempresas e empresas de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional poderão, opcionalmente, adotar contabilidade simplificada para os registros e controles das operações realizadas, conforme regulamentação do Comitê Gestor.
[2] YAMADA, Camila Barboza. Recuperação judicial com base em plano especial para as microempresas e empresas de pequeno porte: alterações promovidas pela Lei Complementar 147/2014Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20n. 43887 jul.2015. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/40656>. Acesso em: 9 ago. 2017.
[3] Art. 41. A assembléia-geral será composta pelas seguintes classes de credores:
I – titulares de créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho;
II – titulares de créditos com garantia real;
III – titulares de créditos quirografários, com privilégio especial, com privilégio geral ou subordinados.
IV - titulares de créditos enquadrados como microempresa ou empresa de pequeno porte. 
[4] Em que pese o parágrafo único do art. 72 remeter ao art. 83, o faz equivocadamente. Deveria remeter ao art. 41. Nesse sentido, lição de Fábio Ulhoa Coelho:
“A remissão correta, no parágrafo único, é ao art. 41 e não ao art. 83, como constou em evidente lapso. Não tem sentido adotar-se a classificação dos credores na falência no âmbito da recuperação judicial, que possui critérios próprios para classificar os credores.” (COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à lei de falências e de recuperação de empreas. 11. Ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 273.)
[5] Art. 55. Qualquer credor poderá manifestar ao juiz sua objeção ao plano de recuperação judicial no prazo de 30 (trinta) dias contado da publicação da relação de credores de que trata o § 2o do art. 7o desta Lei.

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