terça-feira, 24 de maio de 2016

O atraso dos pagamentos pela Administração e a manutenção da execução do contrato por até 90 dias. O que fazer? [PARTE 2]



Em texto anterior (clique aqui), tratamos de medidas preventivas para se assinar um contrato com a Administração, face a possibilidade de atraso dos pagamentos por até 90 dias, por parte do ente público, e a pretensa obrigatoriedade da empresa, ainda assim manter, a execução do contrato dentro desse período, conforme a previsão do art. 78, XV, da Lei nº 8.666/93.

No referido post, defendemos, em resumo, que a empresa deve manter capital de reserva suficiente para saldar suas obrigações (trabalhistas, tributárias, fornecedores) no eventual atraso de pagamentos pela entidade pública.

Mas e no caso de a empresa já se encontrar nessa situação, estando obrigada a executar determinado contrato, mesmo com a inadimplência da Administração Pública. Há remédios fornecidos pela norma de licitações pública ou, de forma mais ampla, no ordenamento jurídico pátrio?

Passemos à contextualização do contrato administrativo celebrado entre Administração e particular. Como se sabe, de acordo com a teoria geral dos contratos, as partes devem cumprir rigorosamente as cláusulas avençadas que especificam obrigações recíprocas. Tal conceito está previsto na própria Lei nº 8.666/93 em seu art. 66:

Art. 66.  O contrato deverá ser executado fielmente pelas partes, de acordo com as cláusulas avençadas e as normas desta Lei, respondendo cada uma pelas conseqüências de sua inexecução total ou parcial. 
Todavia, como também é de amplo conhecimento, os contratos administrativos são regidos pelo regime jurídico público que concede à Administração algumas "prerrogativas" extraordinárias, já que não são comuns aos contratos de direito privado. Essas cláusulas, chamadas exorbitantes, encontram-se descritas no art. 58 do regulamento licitatório:

Art. 58.  O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de:
I - modificá-los, unilateralmente, para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado;
II - rescindi-los, unilateralmente, nos casos especificados no inciso I do art. 79 desta Lei;
III - fiscalizar-lhes a execução;
IV - aplicar sanções motivadas pela inexecução total ou parcial do ajuste;
V - nos casos de serviços essenciais, ocupar provisoriamente bens móveis, imóveis, pessoal e serviços vinculados ao objeto do contrato, na hipótese da necessidade de acautelar apuração administrativa de faltas contratuais pelo contratado, bem como na hipótese de rescisão do contrato administrativo

Observe bem que a norma não concede à Administração a prerrogativa de atrasar pagamentos e, ainda assim, exigir a manutenção da execução contratual. De toda forma, é com grande naturalidade que isso vem sendo feito, e aceito pelos órgãos de fiscalização, com base na leitura do já referido art. 78, XV:

Art. 78.  Constituem motivo para rescisão do contrato:
...
XV - o atraso superior a 90 (noventa) dias dos pagamentos devidos pela Administração decorrentes de obras, serviços ou fornecimento, ou parcelas destes, já recebidos ou executados, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, assegurado ao contratado o direito de optar pela suspensão do cumprimento de suas obrigações até que seja normalizada a situação; 
Trata-se de uma interpretação, no mínimo tacanha, defendida por certos doutrinadores, desde a época do Decreto-lei nº 2.300/86, com base na alegação da supremacia do interesse público e da continuidade da prestação dos serviços públicos ou de interesse da Administração. De lá pra cá, poucos foram os que se debruçaram sobre o dispositivo, e aqueles que o fizeram talvez não tiveram a atenção dos aplicadores da lei que poderiam retirar da seara exclusivamente doutrinária uma aplicação mais lógica do prescritivo legal.

O que defendemos é que o direito do particular suspender a execução da obra, serviço ou fornecimento, surge da configuração do atraso nos pagamentos pela Administração, não sendo necessário aguardar o período de 90 dias. Tal medida se fundamente na teoria da exceção do contrato não cumprido (exceptio non adimpleti contractus), que nada mais é do que a recusa de executar sua parte da obrigação quando o outro polo do contrato deixa de fazê-lo no momento ou na forma avençados. No ordenamento pátrio, tal cláusula está abarcada no art. 476 do Código Civil.

Ademais, ainda que se defenda que a Administração está em posição de supremacia nesses contratos administrativos, o próprio art. 58 [1], que trata das cláusulas exorbitantes, limita tais prerrogativas à manutenção da cláusula econômico-financeira, que nada mais é que a relação entre o pagamento da Administração e o encargo assumido pelo particular, estabelecida no momento da contratação. E, por óbvio, o atraso no pagamento pela Administração, traz um desequilíbrio à referida cláusula econômico-financeira, quanto mais se admitirmos um atraso de 90 dias, que pode significar a total quebra desse equilíbrio contratual e, em última análise, da própria empresa.

Portanto, diante do atraso dos pagamentos pela Administração, sugere-se que a empresa formalmente notifique o representante do ente, informando que o não pagamento dentro de X dias acarretará na suspensão da execução contratual.

Claro é, que a autoridade pública pode não aceitar tais alegações no âmbito administrativo, sendo necessário recorrer à esfera judicial, por meio de alguma medida cautelar.

Para maiores esclarecimentos, entre em contato conosco.

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[1] Art. 58 ...
...
§ 1º  As cláusulas econômico-financeiras e monetárias dos contratos administrativos não poderão ser alteradas sem prévia concordância do contratado.

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